quinta-feira, 12 de agosto de 2010

ANTIGO TESTAMENTO-Pentatelco,históricos,sapienciais e proféticos

Pentateuco

Da Bíblia Sagrada

Este nome grego significa “cinco rolos”, ou livros, e inclui Génesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronómio. A autoria do Pentateuco, tradicionalmente considerado como Lei de Moisés, foi atribuída a este grande líder do povo hebreu tanto pelo judaísmo como pelo cristianismo antigos. Hoje, sabe-se que nenhum destes livros se pode atribuir a um único autor e menos ainda a Moisés, pois todos tiveram uma história literária complexa, como veremos.

Para além desta referência a Moisés, os livros do Pentateuco têm uma certa sequência temática, pois descrevem as origens do povo de Israel até à sua definitiva instalação em Canaã. Nomeadamente: a origem da humanidade e do próprio povo hebreu na época patriarcal, a saída do Egipto e a longa travessia do deserto; é nesta última fase que aparecem enquadradas as leis fundamentais para a vida religiosa e social dos israelitas. Longas secções narrativas alternam com grandes conjuntos de leis.

O modo de escrever daquele tempo, misturando História, Direito e Liturgia, não coincide com o nosso modo de fazer História; ao mostrarem a intervenção de Deus nessa História, os autores do Pentateuco pretendem também apresentá-la como modelo da presença de Deus na História de cada povo.


FORMAÇÃO DO PENTATEUCO

segundo alguns estudiosos, o texto actual deste conjunto resultaria de uma história literária anterior, a que chamam “fontes” ou “documentos” conhecidos com o nome de Javista (J), Eloísta (E), Sacerdotal (P) e Deuteronomista (D).

De qualquer modo, o Pentateuco não foi escrito de uma só vez nem é obra de um único escritor. Foi escrito a partir de tradições orais e escritas que se foram juntando progressivamente e formando unidades maiores ao longo da história. A junção de todo o material só se deu na época pós-exílica, altura em que se pode falar da redacção final do Pentateuco. Certamente que o período à volta do Exílio influenciou a leitura de todo esse património histórico e religioso; mas, as tradições e outros materiais podem ser bastante antigos e manter, na sua forma final, os traços dessa antiguidade.

Provavelmente, o processo de formação dos cinco primeiros livros da Bíblia desenvolveu-se, nas suas linhas gerais, em vários períodos.

No início estaria um núcleo narrativo histórico bastante restrito, da época de Salomão. Este núcleo é depois retomado e ampliado por volta dos finais do séc. VIII a.C., recolhendo tradições e fragmentos do reino do Norte e relendo tradições antigas numa nova perspectiva.

No séc. VIII aparece o Deuteronómio primitivo, descoberto no tempo de Josias (622 a.C.) e incluindo essencialmente leis e um pequeno prólogo. É depois ampliado para dar o texto actual de Dt 1-28.

As questões levantadas pelo Exílio fazem aparecer a grande obra histórica «deuteronomista» que se vai elaborando ao longo de várias fases, integrando, de algum modo, todos os materiais já recolhidos anteriormente. Esta grandiosa reconstrução provoca uma série de retoques «deuteronomistas», ao longo de todo o texto do Pentateuco, que já estaria redigido.

No exílio da Babilónia aparece o «escrito sacerdotal primitivo», obra dos sacerdotes exilados.

Depois do regresso do Exílio, no séc. V, este escrito é combinado com os precedentes, retocado e aumentado nalguns aspectos e vai ocupar um lugar dominante no conjunto da narração. A esta redacção final se deve o termo de toda a trama narrativa na morte de Moisés e, logicamente, a delimitação do Pentateuco, separando o Deuteronómio do resto da história deuteronomista. Este trabalho deve ter sido concluído por volta do ano 400 a.C..


O PENTATEUCO E A HISTÓRIA DE ISRAEL

O Pentateuco recebeu inegáveis influências de todos estes documentos ou tradições e de muitos outros factores ligados à História e à religião de Israel. Mas, o que os autores do Pentateuco pretendem manifestar nesta História Sagrada não é tanto o povo com as suas virtualidades e peripécias históricas, mas o domínio absoluto de Deus sobre todas as coisas e sobre todas as instituições humanas, incluindo a realeza, que no Médio Oriente era considerada de origem divina. O poder vem de Deus e da sua Palavra, transmitida pelos seus intermediários.

Esta “Lei” não é um simples conjunto de leis humanas; é um “ensinamento” para viver segundo a vontade de Deus, um chamamento à perfeição e à santidade: «Porque Eu sou o Senhor que vos fez sair do Egipto, para ser o vosso Deus. Sede santos, porque Eu sou santo.» (Lv 11,45)

O Pentateuco é a Carta magna do judaísmo pós-exílico. Após esta difícil mas frutífera experiência, o Estado judaico, antes apoiado nas estruturas da monarquia davídica, passa a reger-se unicamente pela “Lei” de Deus e deixa-se orientar pelos que detêm o monopólio do culto, os sacerdotes. Uma comunidade monárquica transforma-se numa comunidade cultual em honra do Deus da Aliança. São os sacerdotes que editam e reeditam a Lei.

Sendo uma História Sagrada em que se manifesta a presença do Deus da Aliança na vida do seu povo, o Pentateuco desenvolve-se a partir de três factores principais: a epopeia do Êxodo, a Lei do Sinai e a fé num Deus único. Por isso, mais tarde, e diferentemente de outros povos, Israel não necessitou da monarquia para sobreviver.


LEITURA CRISTÃ DO PENTATEUCO

O Pentateuco é uma história nunca terminada, mas sempre aberta às infinitas possibilidades do Senhor da História. Podemos, pois, dizer que o resto do Antigo Testamento é, de algum modo, uma releitura contínua do Pentateuco à luz de novos acontecimentos da História de Israel e do mundo que o rodeia.

Mas o Pentateuco também aponta para um novo Êxodo, para uma outra Terra Prometida, para uma outra presença de Deus Jesus Cristo. Ele é a nova Lei, a nova manifestação de um Deus que nunca cessa de renovar a Aliança com o seu povo. Cristo e os primeiros discípulos leram o Pentateuco como uma história aberta que se completa na vinda do Messias. A partir daí, a relação do homem com Deus já não passa pela observância material da Lei, mas pelo seguimento de Cristo. Porém, aquilo que se põe de lado não é o Pentateuco, mas apenas a interpretação fechada que dele fez o judaísmo rabínico.

Assim, o Pentateuco não só não impede, mas ajuda a compreensão de Cristo e do seu Evangelho: ao lê-lo, pensamos no Evangelho, e quando lemos o Evangelho, encontramos as suas raízes no Pentateuco; não se pode ler os mandamentos da Lei, sem os comparar com os mandamentos da Nova Lei as Bem-aventuranças. Os cristãos reconhecem em Cristo a Palavra de Deus encarnada, e no Evangelho, a Nova Lei; Lei que não vem abolir a antiga, mas dar-lhe toda a perfeição (Mt 5,17-18). Cristo, de que Moisés era apenas uma figura, veio fundar um novo povo, uma nova comunidade, liberta na Páscoa da sua Paixão-Ressurreição. Numa palavra, Cristo é, para os seus discípulos, a nova Lei, a nova Páscoa, o novo Templo de Deus entre os homens (Jo 2,21; Ap 21,3.22), a nova Aliança, não apenas com um povo, mas com toda a Humanidade.


Pentateuco










Livros Históricos

Da Bíblia Sagrada

A sequência dos livros da Bíblia tem vários traços de uma longa parábola histórica e o interesse pela História já estava bastante presente nos livros do Pentateuco. Mas é costume chamar Livros Históricos a um conjunto que vem depois do Pentateuco. Na verdade, só se consegue fazer uma História de Israel em sentido actual a partir da instalação do povo em Canaã. E esse facto da actual historiografia coincide com a classificação tradicional do referido conjunto, que inclui os livros seguintes:

Josué, que apresenta a entrada dos hebreus na terra de Canaã, como quem vai tomar solenemente posse de uma herança que lhe fora atribuída. É uma construção simbólica, não representando inteiramente os acontecimentos históricos reais, como se pode ver no livro dos Juízes.

Juízes, de facto, mostra-nos uma entrada bastante mais dispersa das tribos em Canaã e dominando muito mais lentamente o conjunto do território. Por outro lado, descreve-nos as vicissitudes e a insegurança da vida levada por essas tribos, numa época ainda distante do tempo da monarquia.

Rute é um romance histórico situado na época dos Juízes, mas sobretudo um livro contra a xenofobia que marcou épocas mais tardias do judaísmo.

A mais representativa e formal sequência historiográfica deste período, que já começara com Josué e Juízes, integra ainda o grande conjunto de 1.° e 2.° de Samuel e 1.° e 2.° dos Reis. A sua redacção final parece ter-se inspirado já claramente na mentalidade deuteronomista; por isso, costuma chamar-se-lhe a “Historiografia deuteronomista”. Com ela pretendeu-se fazer o exame de consciência da História nacional após o desastre do fim da monarquia.

Mais tarde, os livros 1.° e 2.° das Crónicas retomam toda a História de Israel desde as origens, ou por meio de genealogias e sínteses históricas, ou relembrando alguns episódios coincidentes e outros complementares aos assuntos que tinham aparecido narrados na História deuteronomista.

Esdras e Neemias contam alguns episódios relativos à restauração do povo de Israel e da cidade de Jerusalém, depois do regresso da Babilónia. No entanto, a historiografia sobre esta época, marcada pelo domínio persa, ficou bastante aquém da sua importância no aparecimento da Bíblia.

Tobias oferece-nos, com um quadro familiar notável, as dificuldades de viver a piedade em condições sociais e políticas adversas.

Ester descreve um drama de colorido algo semelhante, mas alargado à experiência de todo o povo, que se vê ameaçado de destruição e consegue, no fim, cantar vitória.

Judite é um romance histórico; simboliza a capacidade de resistência aos inimigos, na época da luta contra os Selêucidas (séc. II a.C.).

O 1.° e 2.° Livro dos Macabeus espelham, por meio de uma historiografia muito ao gosto da época helenista, a luta dos judeus para conseguirem libertar-se da política opressora dos Selêucidas. São o último bloco historiográfico dentro da Bíblia.


Livros Históricos

Livros Sapienciais

Da Bíblia Sagrada

O termo “Sabedoria” tem uma vasta gama de significados. Pode ser descrito como aplicação da mente à aquisição de conhecimentos, a partir da experiência humana; habilidade prática no exercício de uma actividade profissional ou para fugir a situações de perigo; prudência na linguagem e no comportamento; discernimento em ajuizar aquilo que é bom ou mau para o ser humano; capacidade para detectar as formas de sedução e de engano.


A SABEDORIA

A sabedoria é, pois, um conhecimento baseado na experiência acumulada ao longo da vida e enriquecida através de várias gerações, que se fixou gradualmente em máximas, sentenças e provérbios breves e ritmados, recheados de imagens ou comparações.

O povo de Deus apercebeu-se da importância que a sabedoria tinha para a vida, pois não era possível regulamentar todas as áreas da vida apenas pela lei de Moisés e pela palavra dos profetas. Havia, portanto, espaços a preencher por opções e iniciativas pessoais. Daí ser preciso adquirir conhecimentos e capacidade crítica para avaliar pessoas e coisas, situações e acontecimentos da vida.

Confrontando o conjunto da sabedoria de Israel com outros corpos literários do AT, não será difícil verificar que os Livros Sapienciais formam um mundo à parte, caracterizado pela fé na sabedoria divina que rege o universo e cada pessoa em particular.

No âmbito sapiencial, o centro de interesse e de atenção desloca-se do povo, enquanto tal, para o indivíduo; da História, para a vida quotidiana; da situação peculiar de Israel, para a condição humana universal; das vicissitudes históricas do povo da Aliança, para a existência no mundo enigmático da criação; das intervenções prodigiosas de Deus, para as relações entre causa e efeito; da esfera da Lei e do culto, para o mundo das opções livres e da iniciativa pessoal; da autoridade de Deus, para a esfera da experiência e da tradição humana; dos oráculos dos profetas, proclamados como palavra de Deus, para o uso de todos os recursos da razão e da prudência, em ordem à orientação da própria vida; da imposição da Lei, para a força persuasiva do conselho e da exortação; do castigo, apresentado como sanção externa, para a consequência negativa, resultante de uma escolha errada ou de um acto insensato.

A sabedoria divina, cósmica, é aquilo que em hebraico se chama “hokmah”; mas o seu conceito pode também ser expresso por “sedaqah” = “justiça”.

Ao contrário da palavra profética, a sabedoria exige o empenho de todas as capacidades e dons de que o ser humano dispõe (Sir 15,14-20; 17,1-14). Mais do que procedendo do alto, como a Lei, a Profecia e a própria História, a sabedoria surge e cresce a partir de baixo, ou seja, da experiência humana. Sábio é quem sabe adaptar-se a esse sistema cósmico, descobrir o seu mecanismo operativo e entrar na sua essência. “Insensato”, ou mesmo “ímpio”, é quem não descortina as regras desse jogo ou não se interessa por elas.


ORIGEM

A reflexão sapiencial deve ter acompanhado o ser humano desde os seus primórdios. Contudo, certas épocas históricas privilegiaram a recolha de tradições e impeliram as novas formulações sapienciais.

A origem do pensamento sapiencial em Israel é tradicionalmente relacionada com a figura de Salomão (1 Rs 3,4-15; 5,9-14), que se tornou protótipo de todos os Sábios. Ele organizou a sua corte em conformidade com o modelo das cortes de outros países mais evoluídos, especialmente o Egipto; promoveu intensas relações políticas e comerciais com os povos vizinhos. Ora isso exigia uma preparação adequada dos funcionários de Israel, tanto a nível central como local, em escolas apropriadas de carácter sapiencial, também à semelhança do que já existia junto de outros povos. Foi Salomão que protagonizou toda essa dinâmica em Israel. Por isso, não é de admirar o facto de lhe terem sido atribuídas obras do género sapiencial muito recentes, que, efectivamente, nada têm a ver com ele. Era o costume antigo da pseudo-epigrafia, que se verifica em muitos casos da Bíblia.

Nos tempos a seguir ao exílio da Babilónia procedeu-se à recolha e fixação do património religioso e cultural de Israel. Da recolha, fixação e ordenamento de todo esse material viriam a surgir os grandes blocos literários do AT, dentre as quais algumas colecções de provérbios. Era necessário preservar a identidade religiosa e cultural de um pequeno povo e relançar a esperança num futuro bem melhor, perante as ameaças de outras culturas dominantes, como a babilónica e, mais tarde, a grega. A esse respeito, é emblemática a passagem de Ne 8,1-8, em que sacerdotes e levitas instruem o povo sobre a lei de Deus. Os homens do culto tornam-se homens do livro. Os profetas estão já em vias de desaparecimento. A palavra de Deus e a sua vontade passaram a ser procuradas no livro, nos textos escritos. Por isso, os responsáveis têm que se dedicar ao estudo, à reflexão, à cultura e à escola. É neste clima de exigência intelectual, onde também aparecem escribas leigos, que se desenvolve a reflexão sapiencial, outrora apanágio do ambiente da corte e dos funcionários do Estado.

Na investigação e procura da sabedoria, Israel não foi totalmente original. Este pequeno povo soube assimilar a sabedoria dos povos vizinhos, sobretudo o Egipto e a Mesopotâmia, e adaptá-la segundo a perspectiva da sua própria experiência religiosa.


OS LIVROS

Os livros resultantes da compilação dos antigos provérbios e das novas reflexões sapienciais recebem o nome de Sapienciais porque ensinam a sabedoria como arte de viver. Job, Salmos, Provérbios, Eclesiastes (ou Qohélet), Cântico dos Cânticos, Sabedoria e Ben Sira (ou Eclesiástico) constituem esse conjunto. Os Salmos são um livro de características especiais, embora integrado neste conjunto.

Ao analisar o conjunto dos Livros Sapienciais do AT, verifica-se uma diferença formal, que acabará por conduzir a uma particularização no próprio conteúdo. Trata-se da distinção entre a sabedoria proverbial e a tratadística ou intelectual. A primeira exprime, em frases breves, verdades universais ou condicionadas por determinadas situações. Geralmente são máximas compostas de um só versículo em duas partes ou dísticos (existem, por vezes, unidades maiores) e encontram-se mais nos livros dos Provérbios, de Ben Sira e em parte do Eclesiastes e da Sabedoria. O seu objectivo é oferecer observações sobre a vida concreta. Seguindo tais instruções, o homem adapta-se à ordem social, que é o reflexo da ordem cósmica.

Esta forma de sabedoria não se ocupa das coisas últimas da existência humana, mas assume o pragmatismo e a crítica face à sociedade em que se desenvolve. A sociedade é considerada como um facto consumado que o sábio não pretende mudar, mas apenas adaptar-se a ela, descobrindo as suas regras do jogo. É uma atitude que difere profundamente da posição assumida pelos profetas da época anterior ao Exílio; mas não se trata de uma atitude alheia à fé.

Diferente é o conteúdo da sabedoria tratadística, que, por vezes, como em Job, assume a forma de diálogo, ou a de um monólogo-confissão, como no Eclesiastes. Ocupa-se essencialmente de problemas fundamentais da existência humana. E a solução que ambos propõem submeter-se aos planos de Deus é tipicamente israelita, mesmo se desligada de qualquer enquadramento histórico. Assim, vemos semelhanças entre Provérbios e Ben Sira. Também Job e Eclesiastes se assemelham no seu temperamento inconformista. A Sabedoria, por seu lado, é uma espécie de enclave tardio, do âmbito cultural grego.

O mundo que o sábio procura conhecer é o mesmo que foi criado por Deus: um mundo que não é fundamentalmente hostil, porque foi criado bom desde o princípio (Gn 1); um mundo que se submete a Deus e do qual o próprio homem é constituído senhor (Gn 1,3-31). A principal preocupação dos Sábios é o destino pessoal dos indivíduos. Daí a importância dada ao problema da retribuição. Mas os Sábios, que tanto apelam à experiência, têm que enfrentar situações de contradição na própria esfera da experiência. É o confronto dramático entre Job e os seus amigos, com estes a defenderem a tese tradicional de que a justiça ou sabedoria leva automaticamente à felicidade, ao passo que a injustiça conduz à ruína. Perante o problema do justo infeliz, não há resposta que satisfaça a compreensão humana. Contudo, o livro sugere que, apesar de tudo, é preciso aderir a Deus pela fé.

Também o livro do Eclesiastes, embora com uma perspectiva diferente de Job, realça a insuficiência das respostas tradicionais ao problema do justo infeliz, dentro da perspectiva terrena; mas não admite que a felicidade possa ser exigida como algo devido necessariamente ao homem, pois não se pode pedir contas a Deus.

Ben Sira assume plenamente a doutrina tradicional dos Provérbios e exalta a felicidade do sábio (Sir 14,20-15,10); mas sente-se perturbado perante a ideia da morte e intui que, afinal, tudo depende dessa última hora (Sir 11,26).

Foi o livro da Sabedoria, originário do ambiente cultural grego onde a filosofia platónica proporcionava a ideia da imortalidade espiritual, sem a necessária ligação com o elemento material que veio afirmar pela primeira vez e de um modo explícito: «Deus criou o homem para a imortalidade» (Sb 2,23). Um novo caminho se abre à reflexão sapiencial sobre o destino do justo infeliz: depois da morte, a alma fiel gozará de uma felicidade eterna junto de Deus, enquanto os ímpios receberão o devido castigo (Sb 3,1-12).

É sintomática a insistência dos sábios de Israel na ideia do temor de Deus, sobretudo no período mais tardio: «O temor do Senhor é o princípio da sabedoria.» (Pr 1,7) É que, sem o temor de Deus, qualquer tipo de sabedoria perde o seu próprio fundamento e, por isso, a sua validade para uma recta condução da vida.


PERSONIFICAÇÃO DA SABEDORIA

Na fase do desenvolvimento sapiencial anterior ao Exílio, a sabedoria parece limitar-se ao âmbito da experiência histórica e religiosa de Israel.

Mas, depois do Exílio verifica-se uma evolução substancial: a partir daí, a sabedoria tende a ser considerada como uma realidade autónoma, distinta de Deus e do homem. Quer dizer: começa a surgir um processo da personificação da sabedoria. Para além de uma sabedoria proverbial, que regula com sucesso a vida do homem, os sábios começam a desvendar e a admirar uma sabedoria observável a partir da ordem, harmonia e movimento do Universo. É o que o livro do Génesis no capítulo 1 apresenta em linguagem catequética, e os Salmos Sl 8,19 e Sl 104 apresentam em forma de oração.

O próprio livro do Deuteronómio fala de «leis tão sábias» dadas a Israel que provocam a admiração dos outros povos vizinhos (Dt 4,5-8). Ben Sira chega mesmo a identificar a sabedoria com a lei do Altíssimo (Sir 24,22-23) e diz que a sabedoria estabelece a sua morada em Israel sob a forma de lei (Sir 24,8). Também o livro dos Provérbios fala da sabedoria presidindo à obra da criação (Pr 8,25-36). Trata-se sempre da mesma sabedoria que leva o homem ao encontro com o universo de Deus e ao encontro com o Deus do Universo.

A apresentação da sabedoria como um ser distinto de Deus e do homem, que age por si ou seja, como uma pessoa mais do que qualquer outra coisa ou aspectos, quer sobretudo realçar a preciosidade e autenticidade dessa mesma sabedoria. Temos aqui algo que ultrapassará os limites da simples personificação literária, mas que ainda não chega verdadeiramente ao conceito de “hipóstasis”, guardando o seu mistério, que o Novo Testamento virá, em parte, desvendar.

No prólogo dos Provérbios, vemos a sabedoria a convidar para a sua mesa (Pr 9,1-6); a ameaçar quem a rejeita, porque a vida ou a morte do homem depende da sua capacidade de acolher ou de rejeitar a sabedoria (Pr 8,25-36). Ela pertence à esfera de Deus: só Ele a possui verdadeiramente e pode enviá-la como companheira e amiga do homem. É por isso que Ben Sira e o autor do livro da Sabedoria se dirigem a Deus em atitude de oração, pedindo o dom da sabedoria (Sb 8,21; Sir 39,5-6).


LEITURA CRISTÃ

Por meio dos sábios, e num ambiente de mentalidade sapiencial, Israel faz uma leitura do seu passado histórico, perscrutando a sabedoria de Deus em acção na vida das grandes personagens do passado (Sir 44-50), conduzindo o povo no período mais significativo da sua História: o Êxodo (Sb 10-12; 16-19).

Em síntese, mediante a aplicação da inteligência e da reflexão, a sabedoria acaba por constituir a mentalidade dominante no Judaísmo do pós-exílio, recuperando e actualizando, tanto o património peculiar de Israel enquanto povo da aliança, como a sua experiência humana mais vasta, comum a outros povos da região do Médio Oriente.

Esta teologia sobre a sabedoria prepara já o ambiente para o NT, onde Jesus aparece como aquele que é «mais sábio do que Salomão» (Mt 12,42), a «sabedoria de Deus» (1 Cor 1,24.30), o único meio de salvação para todos (Jo 14,6), porque Ele é a sabedoria incriada que incarnou no seio da humanidade.


Livros Sapienciais

Livros Proféticos

Da Bíblia Sagrada

Os Livros Proféticos recebem o seu nome do facto de cada um deles aparecer encabeçado pelo nome de um profeta, o qual, podendo não ser sempre o autor de todo o texto, é, pelo menos, a figura histórica que lhe dá a sua personalidade. O profetismo é um fenómeno cujas raízes se estendem pelo Médio Oriente Antigo. Tem a ver, por um lado, com experiências religiosas e místicas fora do comum (veja-se, nomeadamente, 1 Sm 19,20-24); e, por outro, com um olhar penetrante e capaz de intuir ou receber a comunicação de verdades profundas (Nm 24,3-4), ou com a autoridade na transmissão dessas verdades em nome de Deus (Jr 1,17-19).


PROFETISMO E PROFETA

Dentro da própria Bíblia nota-se que o fenómeno do profetismo se formou de muitos elementos e experiências que foram evoluindo e criando um conceito enriquecido de vários matizes, capazes de conter até alguns contrastes (Zc 13,2-6). A variedade de nomes utilizados para o exprimir é um sinal claro disso; e o nome que ficou a ser mais utilizado (nabi) não é, afinal, o mais claro de todos os que existiam para designar tal conceito.

Talvez as duas conotações mais marcantes de profeta sejam a de “vidente” e a de “porta-voz” que transmite certa mensagem em nome de outro. O termo “profeta”, usado em português, deriva do grego e sublinha esta segunda ideia, isto é, alguém que fala como porta-voz de outro.

Na Bíblia, o conceito de profeta aparece também aplicado a muitas outras figuras, cujos nomes não constam da lista definitiva dos livros sagrados.

A Bíblia hebraica chama “profetas anteriores” ou antigos a uma grande parte dos livros que nós classificamos, na peugada dos Setenta, como livros históricos; e “profetas posteriores”, ao conjunto de livros cuja autoria, de algum modo, se atribui a um profeta. Aqueles que designamos aqui por Livros Proféticos são as obras dos chamados “profetas escritores”, se bem que a questão da autoria, como dissemos, não seja linear e tenha de ser estudada caso a caso e em pormenor.


LIVROS

No Antigo Testamento, estes profetas costumam ser divididos em dois grupos: “Profetas Maiores” e “Profetas Menores”, segundo a sua extensão e a importância que foi atribuída a cada um deles.

“Profetas Maiores”. São Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel. O Livro das Lamentações aparece como uma espécie de prolongamento do livro de Jeremias, embora já não se costume traduzir o parágrafo inicial da tradução grega que o atribuía expressamente a Jeremias. Como um segundo anexo a Jeremias temos o livro profético de Baruc; faz parte dos livros “deuterocanónicos” e é atribuído a um secretário de Jeremias, de nome Baruc.

Isaías, Jeremias e Ezequiel são identificáveis como três figuras históricas de profetas dos séculos VIII, VII e VI, respectivamente, com notórias e decisivas intervenções na cena histórica, especialmente os dois primeiros.

Daniel aparece na tradição da Bíblia grega entre os “Profetas Maiores”; mas na Bíblia Hebraica é classificado entre os “Escritos”, dando a entender que é visto como um género de literatura diferente da dos profetas. E é realmente diferente, apesar de ter muitos pontos de convergência.

“Profetas Menores”. Alguns apresentam-se como figuras historicamente mais definidas; é o caso de Oseias, Amós, Miqueias, Ageu e Zacarias. De outros, como Joel, Abdias, Naum, Habacuc, Sofonias e Malaquias, pouco se sabe ao certo, podendo mesmo acontecer que alguns sejam apenas nomes simbólicos da própria obra literária ou da respectiva mensagem.

Jonas também aparece na Bíblia grega entre os “Profetas Menores”; mas, na Bíblia hebraica, faz parte dos “Escritos”. De facto, além da narração contida no livro, historicamente nada mais se sabe acerca da personagem de quem recebe o nome.


Livros Proféticos

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